“É essencial reconhecer que o Irã não tem atualmente qualquer programa de armas nucleares, nem possui arma nuclear. Dia 26 de fevereiro, James Clapper, diretor da Agência Nacional de Inteligência disse à Comissão das Forças Armadas do Senado que o Aiatolá Khamenei, Líder Supremo do Irã, encerrou completamente o programa nuclear de seu país em 2003 e “tanto quanto sei não tomou qualquer decisão para construir alguma arma nuclear”. Assim se repete a avaliação “altamente confiável” da Comunidade de Inteligência (CI) dos EUA, que disse exatamente isso em novembro de 2007” (Micah Zenko, Putting Irã’s Nuclear Program in Context, Council on Foreign Relations).
Começar com a verdade sempre ajuda, e, no caso do Irã, a verdade é muito simples. O Irã não tem armas nucleares, não tem programa para construir armas nucleares e jamais foi apanhado praticando desvio de combustível atômico, para usá-lo em objetivos diversos do original. O Irã pesquisa e produz tecnologias nucleares exclusivamente para fins pacíficos.
Esses são os fatos. Talvez não confirmem as mentiras propagadas pela imprensa-empresa comercial, mas nem por isso deixam de ser fatos. O Irã não é culpado de crime algum. O Irã é exclusiva e inteiramente a vítima de um atentado praticado pelo poder-alucinado de Washington, obcecado por controlar os recursos vitais que abundam no Oriente Médio e promover a hegemonia regional de Israel. É disso que se trata. Tudo é geopolítica. Nada tem coisa alguma a ver com armas atômicas.
A empresa-imprensa comercial que cobre as chamadas ‘negociações nucleares’ em Laussanne e agora em Viena mantém-se maniacamente focada no ‘número de centrífugas’, nos programas de monitoramento da AIEA, na capacidade para enriquecer urânio e em miríades de outros tópicos que existem em grande número para, precisamente, afastar a atenção do único fato importante: que o Irã não tem armas atômicas nem interesse em algum dia vir a tê-las.
Empurrado para uma simulação de afogamento nesse mar de notícias ocas, de questiúnculas sem importância, o leitor é induzido a sentir que o Irã ‘tem-de’ estar escondendo alguma coisa e, portanto, sim, com certeza é ameaça real à segurança nacional dos EUA. Claro que isso, precisamente, é o que os ‘especialistas’ autores desses artigos visam a conseguir. Vivem de meter um saco sobre os olhos do público consumidor de ‘notícias’ e de levá-lo a crer em algo que é demonstrada e comprovadamente falso...
No que tenha a ver com o Irã, o único fato verdadeiro é o que NENHUM veículo da imprensa-empresa noticia: que o Irã não está fazendo nada que seja ilegal ou clandestino. O Irã, simplesmente, demanda o direito de enriquecer urânio para finalidades pacíficas, que o Tratado de Não Proliferação lhe assegura, tratado que o Irã deseja, com toda a razão, ver respeitado. O Irã não se deixará destratar pelos EUA, nem deixará que o tratem como ‘país de segunda classe’. O Irã sempre se comportou honradamente desde o início – o que está anos-luz à frente do que se pode dizer dos EUA.
A imprensa-empresa comercial não quer discutir os “protocolos adicionais” que o Irã aceitou para construir confiança entre os membros da ONU, porque, se as pessoas forem informadas desse assunto, todos verão que o Irã já concedeu muito mais, além do previsto no início das negociações. Mesmo assim, continua a ser alvo das acusações mais estúpidas e absurdas, com manchetes diárias sobre “a intransigência” dos iranianos, ou o “jogo duplo” dos iranianos. Mas se alguém exige provas da tal intransigência ou da má fé dos iranianos... não há provas. É tudo só opinionismo jornalístico o mais desavergonhado, e a continuada implantação de medo e mais medo na população, quando não é simples e reles maledicência dita ‘jornalística’. Leem-se páginas e páginas (impressas ou virtuais) de empresas da imprensa comercial, e tudo – literalmente tudo que ali se lê – é mentira integral ou parcial.
O mais recente golpe-besteirol da ‘imprensa de informação’ centra-se na questão do “breakout time” [apr. ‘tempo de pausa’], ‘nome’ que foi dado ao tempo necessário para que o Irã consiga construir uma bomba nuclear se decidir fazê-lo, o que já disse que não quer fazer.
“Breakout time” é a nova palavra-propaganda repetida milhares de vezes na imprensa comercial, sempre para sugerir e reforçar que Teerã estaria a poucas horas de concluir a construção de uma bomba atômica a qual ato seguinte, seria lançada para aniquilar Israel. É ridículo. É conto de fadas que assume que – porque os EUA são país homicida que anda pelo mundo a aniquilar qualquer coisa que respire –todos os demais países teriam a máxima pressa para seguir o mesmo modelo, no instante em que tivessem chance. É ideia errada em muito níveis.
Primeiro, que o Irã não quer armas atômicas. Segundo, que nem todos os governantes do mundo são megalômanos, maníacos obcecados por matar-sem-parar, cujo único prazer na vida é reduzir a ruínas fumegantes grandes fatias do planeta. Não. Esse não é comportamento generalizado: esse comportamento é específico de governantes dos EUA. Outros governantes não são doentes pervertidos. Muitos não sofrem dessa doença sociopática em estado tão avançado.
A questão nuclear é só cortina de fumaça. Nada tem a ver com o inexistente programa nuclear iraniano. O verdadeiro problema é que o Irã é país soberano com política externa independente. Washington não gosta de países independentes. Washington gosta de países e calam o bico e fazem o que são mandados fazer. Países que não se deixam mandar são inimigos de Washington e são postos numa lista de matar. E é quando entram em cena as sanções. Sanções são o meio pelo qual Washington enfraquece o inimigo, antes de bombardeá-los até viraram fumaça. São o porrete que os EUA usam para pôr de joelhos os rivais.
Quem tenha acompanhado o noticiário nos últimos dias sabe que alguma coisa muito estranha está acontecendo. Os EUA fizeram como se não estivessem nem-aí e mudaram a política para o Irã. É desenvolvimento chocante. Os EUA mantiveram a mesma política de selvageria contra Cuba durante 60 anos, sem mudar coisa alguma. Que as políticas selvagens de Washington funcionem ou não, nunca fez diferença; o que interessa é causar dano máximo, sofrimento máximo aos povos que os EUA odeiem. Assim sendo, por que a repentina mudança no caso do Irã? Por que Obama tenta agora um acordo com um país que as elites norte-americanas abertamente desprezam?
E não se pode esquecer, que a ‘abertura’ de Obama, hoje, para o Irã, é extremamente impopular também em grupos muito poderosos, no Congresso, nas empresas da mídia, em Israel e entre funcionários do mais alto escalão também no Departamento de Estado dentro do próprio governo Obama. Teria acontecido que os agentes de poder, que mexem o cordame que movimenta Obama e lhe dizem o que fazer, de repente viram a luz e resolveram que é chegada a era da reconciliação e da paz com o Irã? É claro que não. Ninguém acredita nisso.
Obama só assinará acordo com o Irã, se daí puder extrair alguma vantagem. E a vantagem que os EUA querem extrair do Irã chama-se “gás”. Os EUA querem um substituto para o gás russo que chega à Europa, para que possam destruir completamente a Rússia e implementar o tal plano estratégico de estender o poder norte-americano por toda a Ásia, para que as megaempresas norte-americana possam conservar a posição dominante na economia global. Obama faz-se de negociador sensível com o Irã, para poder pivotear-se para a Ásia o mais facilmente possível.
Mas... E é plausível que o Irã venha a substituir o gás russo no lucrativo mercado da União Europeia?
Vejam esse trecho de um artigo de 2014 que previa exatamente o cenário que vemos hoje, vale dizer, os EUA tentando impedir que se crie uma zona UE-Rússia de livre comércio que fará encolher o PIB dos EUA e deixará a única potência indispensável em rota de apressado declínio. O título do artigo é “UE busca o Irã como alternativa ao gás russo” [orig. EU turns to Irã as alternative to Russian gas].
A União Europeia está silenciosamente promovendo a necessidade, cada vez mais urgente de um plano para importar gás natural do Irã, ao mesmo tempo em que as relações com Teerã vão sendo descongeladas, e as relações com seu maior fornecedor de gás, a Rússia, entram em processo de rápido resfriamento (...).
“O Irã caminha rapidamente para o topo de nossas prioridades, para adotar medidas de médio prazo que ajudem a diminuir nossa dependência da Rússia, como fornecedora de gás natural” – diz a fonte. “O gás do Irã pode chegar à Europa muito facilmente , e politicamente já se vê clara reaproximação entre Teerã e o ocidente.”
O Irã, que está vivendo sob sanções, tem a segunda maior reserva de gás, só inferior à da Rússia, e é possível alternativa, uma vez que as conversações entre Teerã e o Ocidente cheguem a algum acordo sobre o discutido programa nuclear da República Islâmica.
“Alto potencial para produção de gás, reformas no setor doméstico de gás que estão em andamento e a normalização das relações com o ocidente fazem do Irã alternativa viável à Rússia” – disse uma publicação que circula entre membros do Parlamento Europeu (...).
“O interesse do Irã em entregar gás à Europa é grande. Partes da elite econômica e política iraniana, assim como empresas ocidentais já se preparam para o fim das sanções” – disse Frank Umbach, diretor de pesquisas sobre energia do King’s College em Londres (...).
Há muito tempo o Irã trabalha para conseguir construir um gasoduto que conectaria seu imenso campo Pars Sul, de gás, e os consumidores europeus – o chamado Gasoduto Persa.
“É produto extremamente ambicioso” – disse Handjani. “Mesmo se só se construir metade do projeto, já será imensa realização para a Europa e para o Irã” (...).
Estudos independentes de viabilidade mostram que se as sanções forem levantadas e começarem logo os investimentos, o Irã poderá fornecer 10-20 bilhões de metros cúbicos de gás/ano à Turquia e à Europa, já no início da década dos 2020s” (euractiv.com 25/09/2014, EU turns to Irã as alternative to Russian gas).
Por isso Obama tanto quer o fim das sanções. Porque precisa encontrar fonte alternativa de gás para a Europa, ou não terá aliados europeus em sua guerra contra a Rússia. E derrotar a Rússia já está convertida em prioridade estratégica top de Washington.
Os EUA estão dispostos a arriscar tudo – até a guerra nuclear – para manter o monopólio do poder global e para prolongar sua hegemonia até o próximo século. *******
* MIKE WHITNEY vive no estado de Washington. É um dos autores colaboradores de Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press). Hopeless existe também em edição para Kindle (Kindle edition).
No hay comentarios:
Publicar un comentario