As propostas apresentadas por Alexis Tsipras e seu governo na noite de 5ª-6ª feira provocaram estupor. Retomam em larga medida, embora não totalmente, as propostas formuladas pelo Eurogrupo dia 26 de junho. Foram largamente percebidas na opinião internacional como uma "capitulação" do governo Tsipras. A reação muito positiva dos mercados financeiros é, quanto a isso, sinal importante.
Sabe-se que aquelas propostas foram redigidas em parte com ajuda de altos funcionários franceses, mesmo que Bercy [o ministério das Finanças da França, instalado no bairro q leva esse nome] desminta. São propostas resultantes de intenso trabalho de pressões tanto sobre a Grécia como sobre a Alemanha, exercidas pelos EUA. A França, nisso, escolheu claramente o caminhos dos EUA contra o da Alemanha. O governo francês não teve necessariamente de escolher afrontar a Alemanha nesse caso. Mas optou por essa via por razões essencialmente ideológicas. De fato, o que François Hollande deseja acima de tudo é "salvar o euro". Expõe-se ao risco de rapidamente descobrir o caro preço que lhe custou tal desejo; e para obter resultado que durará, provavelmente, só uns poucos meses. Porque essas propostas, se vierem a ser aceitas, não resolvem coisa alguma.
Os termos da proposta grega
São propostas muito próximas das do Eurogrupo. Mas veem-se algumas diferenças em relação do texto do dia 26/6, em particular a vontade de proteger os setores mais frágeis da sociedade grega: manutenção do IVA em 7% para produtos básicos, isenções para as ilhas mais pobres, manutenção até 2019 do sistema de ajuda aos aposentados mais fragilizados. Desse ponto de vista, o governo grego efetivamente não cedeu. E o governo incluiu no plano medidas de luta contra a fraude fiscal e a corrupção, presentes no programa inicial Syriza. Mas é preciso reconhecer que o plano está, quanto ao resto, muito amplamente alinhado, com as demandas do Eurogrupo. Será então o caso de falar de capitulação, como alguns estão fazendo? A resposta é mais simples do que parece.
Com efeito, o governo grego insiste em três pontos: restruturação da dívida (a partir de 2022), que se a distribua sobre tempo maior de modo a tornar o pagamento viável; acesso a 53 bilhões em três anos e desbloqueio de um plano de investimento chamado "plano Juncker". Mas esse "plano" envolve largamente somas previstas – mas não entregues à Grécia – pela União Europeia a título de fundos estruturais. Principalmente, o governo grego insiste num "compromisso vinculante" [fr. engagement contraignant] que teria havido no início das negociações sobre a dívida desde o mês de outubro. Ora, todos lembram bem que esse compromisso vinculante foi precisamente um dos itens recusados pelo Eurogrupo e que levou ao rompimento das negociações e à decisão de Alexis Tsipras, de convocar um referendum.
De fato, as propostas transmitidas pelo governo grego, se incontestavelmente dão um passo na direção dos credores, elas também mantêm uma parte das exigências formuladas antes. Por isso, ainda é cedo demais para falar de capitulação. Uma interpretação possível dessas propostas é que tenham por função pôr contra a parede a Alemanha, e com ela outros países partidários de a Grécia ser expulsa da Eurozona. Sabe-se que os EUA, temerosos das consequências de um "Grexit" sobre o futuro da Eurozona, jogaram todo seu peso na balança para forçar Angela Merkel a fazer concessões importantes. Se a Alemanha der provas de intransigência, cairá sobre ela a responsabilidade pelo "Grexit". Se ceder, não poderá recusar a Portugal, Espanha, talvez até à Itália, o que tenha concedido à Grécia. Pode-se assim entender que o plano seja mais uma demonstração do instinto tático de Alexis Tsipras. Mas aquelas propostas, em todos os casos, criam um grave problema para o governo grego.
O dilema do governo grego
O governo Tsipras está diante de um duplo problema político e econômico. Politicamente, é o problema de querer fazer como se o referendum nunca tivesse acontecido, como se o "não" não tivesse sido amplamente, majoritário. Qualquer tentativa nessa direção sempre implicará danos políticos consideráveis. O ministro de Finanças demissionário, Yannis Varoufakis, criticou aspectos daquelas propostas. Mais profundamente, essas propostas nunca deixarão de perturbar não só os militantes de Syriza, e em particular a esquerda do partido, mas, mais que isso, o conjunto dos eleitores que se mobilizaram em apoio ao governo e de Alexis Tsipras. Tsipras assim assume o risco de provocar decepção imensa. Essa decepção deixá-lo-ia na realidade sem defesas ante as diferentes manobras sejam parlamentares sejam extraparlamentares das quais se pode imaginar que seus adversários não se privarão.
Ora, a vontade das instituições europeias de provocar mudança de regime, como o disse cruamente o presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata Martin Schulz, não mudou. Na 5ª-feira, Jean-Claude Juncker recebeu dirigentes da Nova Democracia (centro-direita) e do partido To Potami (de centro-esquerda). Sem grande apoio na sociedade, tendo decepcionado pesadamente a ala esquerda de seu partido, que representa mais de 40% do Syriza, Tsipras ficará, portanto, muito vulnerável. No mínimo, ele terá quebrado a lógica da mobilização popular que se manifestou no referendum do dia 5/7 e durante a campanha.
É preciso não esquecer que os resultados desse referendum mostraram mobilização verdadeira, muito superior ao eleitorado do Syriza e do ANEL, os dois partidos que formam a coalizão de governo. Tudo isso, claro, terá consequências. Ainda que os deputados da esquerda do Syriza votem muito provavelmente a favor das propostas no Parlamento grego, pode-se ter certeza que os extremos, o KKE (comunistas neoestalinistas) e o partido da extrema direita, "Aurora Dourada" poderão tirar vantagens da decepção que as propostas suscitarão.
Além de tudo mais, continua posta a questão da viabilidade da economia grega, porque as propostas não trazem qualquer solução para o problema de fundo, que permanece inalterado. Com certeza, essa questão da viabilidade será posta em termos menos imediatamente dramáticos do que os de hoje, se algum acordo já tiver sido assinado. A crise de liquidez poderá ser controlada sem recurso às medidas radicais antes evocadas. Os bancos, novamente alimentados pelo BCE, poderão retomar as operações. Mas nada, absolutamente nada, estará acertado.
Olivier Blanchard, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional assinala que os prognósticos muito negativos que o FMI distribuiu estão, provavelmente, abaixo da realidade. Depois de cinco anos de austeridade, que sangraram completamente o país, a economia grega precisa desesperadamente respirar. Para isso terá de passar por investimentos, por menor pressão fiscal, em resumo, por menos arrocho [dito 'austeridade', mas não é austeridade, é arrocho].Mas ninguém está andando nessa direção.
Tudo isso pode também passar pela saída [que é diferente de ser expulsa] da zona do euro a qual, ao permitir que a economia grega deprecie sua moeda em de -20% a -25%, devolver-lhe-á a competitividade. Evidentemente, não se está fazendo nem uma coisa, nem a outra.
Por tudo isso, é preciso interrogar-se sobre as condições de aplicação das propostas apresentadas pela Grécia aos seus credores. Mesmo que se admita que se chegue a um acordo, a deterioração da situação econômica induzida pela ação do Banco Central Europeu, que o ministro Varoufakis qualificou de "ação terrorista", vinda depois de cinco anos de arrocho, ameaça tornar caducas todas aquelas propostas, logo daqui a poucos meses. Hoje, já se prevê uma queda na arrecadação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Será necessária uma nova negociação. Nesse sentido, as propostas nada resolvem.
O euro é o arrocho
É preciso, portanto, interrogar sobre o sentido profundo dessas propostas. Por mais que sejam, talvez, taticamente defensáveis, correspondem muito provavelmente a um erro de estratégia. Alexis Tsipras declarou na 6ª-feira pela manhã, diante dos parlamentares do Syriza, que não recebeu mandato do povo grego para sair do euro. É questão discutível hoje, depois da acachapante vitória do "não" no referendum. Claro que não foi essa a intenção inicial do governo, e não correspondia ao programa sobre o qual foi eleito. Mas, pode-se pensar que, posta diante da alternativa de ou recusar o arrocho ou recusar o euro, a população grega está avançando rapidamente.
De fato, observa-se uma radicalização nas posições da população ou, pelo menos, era o que se via até essas propostas. Os próximos dias mostrarão se essa radicalização continua ou se foi interrompida pelo que o governo fez.
Em realidade, o que se percebe de modo cada vez mais claro – e corresponde à análise defendida pela ala esquerda do Syriza e por economistas como Costas Lapavitsas, é que o próprio quadro do euro impõe políticas de arrocho.
Se Tsipras algum dia acreditou sinceramente que conseguiria mudar isso, hoje já tem de reconhecer que fracassou. O arrocho continuará a ser a política da Eurozona. Não haverá "outro euro", e essa lição aplica-se também aos que, na França, defendem essa invencionice. É hora de propor com clareza o problema de sair do euro – seja a Grécia sejam outros vários países.
No hay comentarios:
Publicar un comentario