Em 49 Antes de Cristo (ac), o ditador romano Caio Júlio César atravessou o rio Rubicão, uma fronteira natural que separava a Gália Cisalpina da Itália. O Senado Romano proibira que o exército do Império transpusesse a fronteira. Ao transgredir a ordem, Júlio César violou a lei e declarou guerra ao Senado. No instante em que atravessou o Rubicão, exclamou frase em dialeto local traduzida em latim popular como “Alea jacta est” (A sorte está lançada).
Ao cruzar o rio Rubicão com suas legiões, entrando armado na Itália, Caio Júlio César precipitou uma violenta guerra civil. Por essa razão, a expressão “atravessar o Rubicão” tornou-se sinônimo de tomada de decisão cujos resultados podem ser imprevisíveis, ou melhor, cujos resultados são previsivelmente perigosos, desconhecendo-se, porém, até que ponto.
Ao longo de meses a fio, foram feitos incontáveis alertas ao grupo político que está conduzindo a derrubada do governo Dilma Rousseff com o objetivo óbvio e primordial de fazer cessar a Operação Lava Jato, que, apesar de vitimar o PT, está levando consigo gente de praticamente todos os partidos da base aliada.
Apesar de partidos de oposição como PSDB e DEM estarem sendo preservados pela Lava Jato e pelo Ministério Público, a investida da Lava Jato contra partidos aliados do governo Dilma Rousseff atingiu o que parece ser o único objetivo da Operação: derrubar a presidente da República.
A Lava Jato e os setores do MP que trabalham pela ruptura institucional decorrente da derrubada da presidente ao oferecerem factoides aos golpistas, com seus vazamentos seletivos, sabem perfeitamente que o governo que resultará do impeachment terá como primeira medida desmontar a Operação. Afinal, o presidente de facto e seu vice seriam, ambos, investigados pela Operação.
O mundo inteiro já sabe que o Legislativo brasileiro está para tirar do poder uma presidente contra quem não pesa uma única acusação de crime para colocar um presidente e um vice acusados e investigados por corrupção, inclusive com provas materiais.
A incerteza jurídica que se abaterá sobre um país que tira uma governante honesta e coloca dois picaretas investigados e processados em seu lugar terá repercussões imensas na vida econômica do país. Vá lá que os golpistas e seus apoiadores estejam pouco se lixando para a democracia, mas quem apoia o golpe ingenuamente irá descobrir que país sem democracia não é atraente para os negócios.
Se o golpe vingar, portanto, sobrevirá uma era de incertezas e de choques violentos na sociedade.
Claro que o Brasil não deixará de existir após uma eventual derrubada do governo. E que ninguém vai querer ver o país afundar só para se vingar dos golpistas. Não haveria sentido. Eu e você podemos não querer o golpe, mas tampouco haveremos de querer que o país afunde porque vivemos nele e o que nele ocorrer nos afetará a todos.
Porém, o que iria convulsionar o país e afundá-lo econômica e institucionalmente seria a forma como os golpistas iriam governá-lo se o golpe passasse. O desmonte de políticas públicas que tanto melhoraram a distribuição de renda e o nível de pobreza é um dos objetivos dos golpistas. E esse desmonte irá ocorrer.
De início, o desmonte do Estado de Bem Estar social edificado ao longo da era petista será levado a cabo timidamente. Com o passar do tempo, o ritmo será acelerado.
Privatizações serão retomadas, pré-sal e Petrobrás à frente. Políticas públicas como cotas étnicas nas universidades, por exemplo, serão extintas rapidamente. Outras como Fies, Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida irão sendo desidratadas mais lentamente, mas a ideia central do golpe, além de suspender a ameaça à corrupção, é fazer o país parar de gastar dinheiro com pobre.
Tudo isso irá gerar um conflito social imenso, de proporções e intensidade imprevisíveis. Após mais de uma década melhorando de vida ano a ano,a maioria pobre dos brasileiros descobrirá que cometeu um erro imenso ao condescender com o golpe.
Não existe hipótese de o país não voltar a melhorar ano a ano como ocorreu durante 11 dos 13 anos de governos petistas e o país se conformar.
Assim como este Blog avisou, durante anos, que um golpe sobreviria para interromper ascensão social dos brasileiros e assim como avisou que as “jornadas de junho” teriam consequências desastrosas, agora está avisando que uma rebelião resultará do golpe e não ocorrerá por vingança dos que estão sendo apeados ilegalmente do poder, mas porque o povo não vai aceitar retrocessos.
Os programas sociais nunca mais serão os mesmos, se houver golpe. A direita dirá ao povo que não há mais melhora acentuada do social porque os programas petistas eram “inviáveis” e levaram o país à bancarrota, mas, aos poucos, o povo irá despertar da embriaguez em que foi atirado e se dará conta de que dos 13 anos de PT, durante 11 o país melhorou.
Nem precisa dizer mais nada.
A interrupção do governo Dilma, de certa forma, favoreceria Lula. A convulsão social que se instalaria no país um minuto após o golpe faria o Brasil chegar a 2018 em situação igual ou pior que a de hoje. E as pessoas começarão a lembrar que só melhoraram de vida enquanto Lula esteve no poder.
Claro que tentarão prender o ex-presidente para evitar que se candidate, mas se o fizerem vão desencadear uma guerra civil neste país. Estamos falando de um ato ditatorial. É impensável que prendam o maior líder político brasileiro (vide a última pesquisa Datafolha) e todos se conformem.
Eis por que a comparação com a transposição do rio Rubicão é perfeita. Se a Câmara dos Deputados entoar seu “Alea jacta est” e cruzar essa linha invisível, estará colocando o país em uma aventura cujas consequências nefastas só não são totalmente previsíveis porque serão muitas.
A oposição tem todas as chances de chegar a 2018 e vencer legitimamente a eleição presidencial. Seria o melhor caminho para o Brasil.
Dificilmente haverá plena recuperação da economia nos próximos dois anos e meio, então a eleição de 2018 será bastante renhida, com certa dose de favoritismo para os opositores de Dilma Rousseff e do PT. Que a direita opte pela democracia e aposte no próprio taco. Se não o fizer, não haverá volta no caminho que terá começado a trilhar. Ninguém sabe quem ganhará e quem perderá em um país em guerra civil.
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